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Valor Econômico: livro de Carlos Vergueiro é citado para o conflito da Usiminas

Caso Usiminas expõe dilema de conselho

Por Graziella Valenti | De São Paulo

A discussão sobre o futuro da Usiminas e a disputa entre seus controladores, Nippon Steel e grupo Ternium, traz para a vida prática um debate teórico de quase 15 anos. Trata-se do dilema que conselheiros de companhias regidas por acordos de acionistas podem ter para decidir entre o melhor interesse do negócio ou do sócio que o indicou. A discussão acentuou-se após a reforma da Lei das Sociedades por Ações, em 2001.


Parece simples e razoável esperar que ambos sejam evidentemente atendidos sempre, por serem convergentes. Na maior parte do tempo isso é verdade. Mas situações específicas podem desafiar advogados e juristas - além dos próprios conselheiros, é claro. É o que ocorre na siderúrgica.


Não por acaso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conforme o Valor apurou, analisa a reunião de conselho da Usiminas, de 25 de setembro, na qual a Nippon promoveu a troca no alto escalão da empresa brasileira, a revelia da sócia Ternium. O grupo japonês e o ítalo-argentino dividem o bloco de controle da companhia desde 2012. A Ternium entrou no lugar das acionistas Votorantim e Camargo-Corrêa, enquanto a Nippon está na Usiminas desde sua fundação, em 1956.


O acordo vigente entre eles determina que as decisões sejam tomadas sempre por consenso no conselho de administração. Na ausência dele, os conselheiros devem ser contra qualquer medida proposta e, se for o caso, discutir o assunto na Justiça. Não foi o que aconteceu no dia 25 de setembro.


No centro do debate está a atuação de Paulo Penido nessa reunião, presidente do conselho de administração da Usiminas, e também consultor do grupo japonês no Brasil. O posicionamento dos demais conselheiros também está sendo avaliado pela xerife. Desde 2001, com a reforma da Lei das S.As., o artigo que trata dos acordos de acionistas - 118 - ganhou dois novos parágrafos. Em um deles, o 8º, a redação é categórica: "o presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas". O objetivo foi dar legitimidade aos acordos de acionistas, que se tornaram especialmente populares após a privatização da Telebrás, em 1998.


Ocorre que no dia 25 de setembro, Penido aceitou os votos contrários ao acordo da Nippon Steel. E, como presidente do conselho, foi além: desempatou o tema, que enfrentava impasse, a favor dos japoneses - com o voto de Minerva que detém, conforme o estatuto social da empresa. O episódio traz à baila justamente a polêmica que se temia. A 'briga' entre o melhor interesse da empresa - argumento usado pela Nippon - e fazer valer o acordo, ponto nevrálgico para a Ternium.


A Nippon Steel alega, para justificar as mudanças na administração, quebra de confiança por conta de bônus e benefícios recebidos pelos ex-executivos sem o aval formal do conselho. Internamente, a discussão começou no fim de 2012 e o grupo japonês propôs como solução, além da devolução dos valores, a modificação do acordo e adoção de um regime de gestão alternada entre os dois sócios. A Ternium vinha resistindo à mudança, embora os executivos tenham devolvido parte do que receberam.


A Usiminas passou por uma auditoria interna e duas externas para investigação dos benefícios dos executivos vindos da Ternium. Após estes estudos, a Nippon entendeu que os conselheiros por ela indicados poderiam votar contra o acordo por entenderem que assim agiriam com lealdade à companhia - como recomenda a mesma Lei das S.As, no artigo 155. Dessa forma, o grupo japonês implantou uma gestão própria, contrariamente ao que gostaria a Ternium. Os ítalo-argentinos defendiam a manutenção dos gestores.


Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM e advogado da Ternium, disse ao Valor que a interpretação da Nippon ao 118 é danosa ao país, pois traz um ambiente de instabilidade a contratos e acordos privados. Para ele, que já manifestou em voto na CVM em sua gestão na autarquia, não há divergência entre seguir acordos de acionistas e agir no melhor interesse da empresa. Disse, inclusive, que conselheiro indicado por sócio controlador pode e deve se manifestar contra o acordo de acionistas, se julgar necessário. Mas presidente do conselho não poderia aceitar a posição.


O objetivo da inclusão deste artigo na lei, defende Trindade, foi preservar a vida cotidiana das companhias de instabilidades geradas por eventuais divergências entre sócios. A ideia era isolar disputas "do conselho de administração para cima." Os sócios brigariam judicialmente ou até entrarem em acordo antes da questão chegar na empresa. E os votos e posicionamentos feitos no conselho - os aceitos e os não aceitos - seriam munição para o debate.


Penido disse ao Valor que não há como separar a discussão do 118 do mérito da questão, no caso da Usiminas. Para ele, os executivos da companhia infringiram a própria lei ao receberem benefícios sem consentimento do conselho de administração - e terem dado sequência a esse comportamento mesmo após questionamentos vindos desde 2012. "O que me dirigiu foi meu dever de diligência", disse Penido.


Assim, ele também pretende afastar qualquer discussão a respeito de um eventual conflito de interesses - por ser, além de presidente do conselho de administração da Usiminas, consultor da Nippon com remuneração adicional fora do colegiado. "Fui eleito por unanimidade em abril, a despeito das discussões internas já existirem". Sua posição na empresa e como consultor, contudo, também deve passar pela análise da CVM. A autarquia exigiu que a empresa desse publicidade aos documentos relacionados à reunião de setembro, que culminou com a troca na presidência. Há muitos trechos tarjados, para evitar a leitura, mas estão lá os pareceres que estão sendo usados na briga.


Do lado da Nippon, Pinheiro Neto Advogados e Luiz Leonardo Cantidiano, também ex-presidente da CVM. Ambos alegam que o cumprimento do 118 não pode se dar em detrimento à lealdade para com a empresa. A favor da Ternium, dois pareceres contratados pela Usiminas - um deles, anterior às auditorias: Alberto de Orleans e Bragança, do Veirano Advogados, e Nelson Eizirik: o 118 deve ser obedecido.


As divergências sobre o tema, contudo, vão muito além dos pareceres do caso específico. Os doutrinadores são divididos. Para nomes como Carlos Eduardo Vergueiro, Haroldo Verçosa e Marcelo Von Adamek falta coerência entre o artigo que legitima acordos de acionistas e o dever de diligência e lealdade à companhia, também previsto em lei.


Já José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho fazem coro à Eizirik e Modesto Carvalhosa. Os acordos de acionistas devem ser respeitados, pois visam o interesse social e o bem do negócio, alegam.


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